terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Episódio 7 - Vol 2 - Observação



OBSERVAÇÃO

     Por que alguns professores têm tantos recursos, mas os usam tão mal, enquanto que outros quase nada têm e tanto realizam?

     O que determina um grande professor?

    Meu tio Leonardo é professor na escola mais pobre do município, no bairro mais afastado de tudo, com falta de quase tudo, porque como diz tio Léo “aqui só não falta amor”.
            Ao saber da minha vontade de me tornar professor, ele me fez um convite, para que eu fizesse um trabalho voluntário na escola em que ele lecionava, ajudando nas muitas possibilidades de trabalho que o colégio proporcionava. Seria um turno por semana. Aceitei entusiasmado.
           Meus pais concordaram e, na semana seguinte, lá estava eu, pronto para o trabalho.
Saí da escola e fui direto para a casa do meu tio, cheguei no horário combinado. O tio sorriu e disse “vamos?”.
– Não vamos almoçar? – eu estava louco de fome.
– Não dá tempo. Você pode comer na escola.
Estranhei, porque ao invés de ir para a garagem, ele se dirigiu ao portão.
            – Nós não vamos de carro? – perguntei.
            – É muito longe. Vamos de ônibus.

       Mais de uma hora de viagem. O sinal já havia tocado. As crianças estavam no refeitório. O tio entrou comigo na fila.
            – O senhor almoça aqui?
            – É claro, a comida é simples, mas é ótima.
            E era mesmo!
            Quando terminamos perguntei:
            – O que devo fazer, tio?
            – Apenas observe.
            – Observar?
            – Quem sabe observar aprende, ensina e compartilha.
            – Compartilha?
            – Quem acha que só ensina, não aprendeu nada. Educação é uma troca.

         No final do turno eu estava bastante cansado, mas satisfeito. Voltamos pelo longo trajeto, em silêncio.
           Quando chegamos, o tio falou apenas “te levo em casa”.
           Novo silêncio até a minha casa.
Antes de eu descer o tio perguntou:
– Foi a miséria que te chocou tanto assim?

Naquele instante, o turno inteiro passou como um filme na minha memória, até que respondi:

– Não.

            Meu tio sorriu, aquele sorriso, sem mostrar os dentes.

            – Te vejo na semana que vem?
           
Foi a minha vez de sorrir.

– Com certeza.

Dei um abraço no tio e desci.

Eu sei que ele entendeu o que eu estava sentindo e pensando...

Como pode uma escola com tão pouco oferecer tanto?

Eu sabia que teria que voltar muitas vezes até responder essa pergunta, mas de uma coisa eu já tinha certeza: a fartura de sorrisos, de solidariedade, de fraternidade e a satisfação das crianças que eu observei naquela tarde, superava a falta daquilo que sobra em tantas salas.
O meu desafio agora seria não mais observar, mas conviver, aprender, ensinar e compartilhar.

Um comentário:

  1. Prof. Adriano.
    Quanta luz, quanta fé!
    Primeiro, quero lhe agradecer por ter socializado o material do seu blog. Alguns textos já se tornaram exemplos para mim e os tenho comentado nas minhas exposições.
    Obrigado pela partilha da arte da sua mente, do seu coração e das suas mãos.
    Que tenhamos um bom semestre de pontas... viagens... lágrimas... invenções...
    Grato pela socialização e tenha certeza que multiplicarei!
    abraço,

    Prof. Humberto

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